minha mãe / 2020
a mãe do medo recusa apresentações. não ouso dizer seu nome e nem de suas filhas - todas as outras emaranhadas entre si e em cada uma de nós.
vagueando pelos quatro cantos do mundo, afogadas pelo sete mares e soprando segredos que se embaralham com gritos: todas nos cortam, comem, cospem e protegem.
nos sabem, guardam e zelam.
fazem assim porque sabem, melhor do que ninguém, qual a matéria a que se dispõe o amor, são incapazes de aceitar as migalhas de Lázaro e o bolor que o transformaria em servidão. sabem muito bem de si - dos botões de flor, dos pássaros e peixes em gaiolas, dos cordões da vida - os fios que tecem nossas avós - sobre dor e cabelos, sobre buracos na parede e fumaça.
dotadas de fúria, para azeitar os corpos de todas as mortas, sabem que a ira é necessária, para que se pingue, com precisão, gotas de lucidez sobre a justiça dos homens que nutrem um desprezo peculiar por aquelas que são capazes de responder que, quem veio antes do ovo e da galinha foi o medo.
9interpretação poética do mito grego “Medéia” publicado por org. Medéia (tradução para inglês) / Londres, 2020