[ Intrusa e bisbilhoteira. Silenciosa. Me lembro de ser uma criança cheia de pedrinhas no bolso, de levar as mais redondinhas na boca e vez ou outra engoli-las em segredo. Lembro de passar as tardes picotando papel e escrever bilhetes em dobraduras miúdas, para depois mascá-las feito chiclete. Preferia chupar o sal das pontinhas dos cabelos, do que o sorvete de chocolate ofertado em dia de praia. Cigarros, gargalos, canetas, dedos e cactos. Continuo levando tudo à altura da boca. Fui aos poucos aprendendo o som do silêncio de cada um da casa, passava pelos cômodos privados em momentos estratégicos: sorrateira abria a gaveta do escritório e escolhia qual tesoura pesada levar para meu quarto. Outras vezes roubava pontas novas para o compasso. Do banheiro verde, escolhia amostras de batom e perfume - as carregava presas entre a cintura e a calcinha. Na cozinha escondia na última lata, da última prateleira do armarinho de debaixo do fogão, bolachas Maria para fora da embalagem, zelava o esconderijo até quando ficassem esquecidas e velhas para - moles a ponto de se encaixarem no palato e dissolverem com a pressão da língua - devora-las em alguma madrugada. Não fui criança com hora pra dormir, lembro de ficar insone em noite de lua cheia e a vista dela gigante entre as cortinas de lona da sala de estar da casa de meus avós. Na mesma sala em que, debaixo de uma pirâmide dourada, escondia ovinhos de páscoa fora de época, feitos de papel alumínio em cores pastéis e guardava, no vaso de samambaia, pedacinhos de algodão e unha roída.]












Trecho retirado do vigésimo quinto (2020/2021) diário que guardo. A foto provavelmente é em Camburi ou Sahy (que quer dizer água dos olhos).